Turcomenistão: uma saída para o problema energético europeu?
O Turcomenistão é um país "desconhecido" para a imensa maioria das pessoas. Pouco se fala sobre as belezas naturais do país, os sítios arqueológicos e a rica história dos turcomanos, um povo de origem túrquica. Talvez isso seja proposital e incentivado pelo próprio governo Berdimuhamedow.
De qualquer modo, o Turcomenistão, no campo da geopolítica mundial, adotou desde a sua independência da União Soviética, nos anos 1990, a chamada neutralidade permanente. Essa posição faz com que os turcomenos não se comprometam e não estejam oficialmente em nenhuma aliança regional (embora isso possa mudar em breve com a adesão total do país à Organização dos Estados Túrquicos, liderada pela Turquia). Para muitos, a permanente neutralidade representa uma posição isolada do país diante dos eventos no cenário internacional.
A permanente neutralidade permite ao país uma flexibilidade geopolítica. Por exemplo: ao mesmo tempo que Ashgabat tem a China como seu grande parceiro econômico, o país não integra oficialmente a Organização para Cooperação de Xangai, a principal plataforma geopolítica, em nível regional, dos chineses. O mesmo também se aplica ao caso afegão, com Ashgabat tendo relações cordiais com os talibãs, tanto no passado, quanto no presente.
Essa neutralidade é benéfica para os turcomenos, principalmente no campo econômico. Estima-se que o país tenha a quarta maior reserva de gás natural do mundo, representando aproximadamente 10% da reserva global[1]. Em 2022, o Turcomenistão produziu 80 bilhões de metros cúbicos de gás natural[2], exportando praticamente metade à China[3].
Contudo, os chineses não são os únicos interessados no gás turcomeno. O (antigo) interesse europeu tem se intensificado, especialmente após a eclosão do conflito russo-ucraniano. No passado, o Turcomenistão até que tentou vender seu gás para o continente europeu via Mar Cáspio e Turquia. O plano foi barrado especialmente pelo Irã e Rússia, países cuja costas são banhadas pelo cáspio.
Em agosto de 2018, durante o Fifth Caspian Summit[4], em Aktau, no Cazaquistão, foram dados os primeiros passos para remover os entraves entre os países que fazem litoral com o Mar Cáspio. Nessa cimeira, os Presidentes do Cazaquistão, Turcomenistão, Azerbaijão, Irã e Rússia assinaram a Convenção sobre o Estatuto Jurídico do Mar Cáspio, que define e regula os direitos e obrigações dos países em relação ao Mar Cáspio, incluindo os limites territoriais marítimos e os recursos naturais presentes nele.
Para Ashgabat, essa era a oportunidade perfeita para concretizar um antigo projeto: o Gasoduto Trans-Caspiano. Através dele, o país poderia diversificar a exportação do gás natural e atingir novos mercados consumidores, especialmente o europeu, com antigo[5] interesse no recurso turcomeno. E isso ganhou ainda mais força após os eventos que ocorrem no começo de 2022.
Com a eclosão do conflito russo-ucraniano, a Europa precisou rapidamente se readaptar e encontrar novos fornecedores de gás natural, visto que o seu maior vendedor, a Rússia, tornou-se persona non grata para o Ocidente. Então, no horizonte emergia o Turcomenistão e o Gasoduto Trans-Caspiano.
Desde então, o Turcomenistão tem se esforçado para tirar do papel o seu antigo projeto e fornecer gás aos europeus. Em julho de 2023, o país parece ter disposto mais energia no projeto. O Ministro das Relações Exteriores do país, Raşit Meredow, afirmou[6] que não havia barreiras jurídicas ou econômicas que impedissem a implantação do projeto. Afirmando, inclusive, que o projeto tinha respaldo legal justamente da Convenção sobre o Estatuto Jurídico do Mar Cáspio.
A União Europeia (UE) espera conectar o Gasoduto Trans-Caspiano, com tamanho aproximado de 300 km, ao Gasoduto do Sul do Cáucaso, no Azerbaijão, e o Trans-Anatóliano, na Turquia, e receber 32 bilhões metros cúbicos de gás por ano[7]. Apesar dos esforços e dos acordos entre as partes, o projeto ainda não está materializado.
Mesmo assim, em agosto de 2023, o Presidente do Turcomenistão, Serdar Berdimuhamedow, visitou a Hungria e durante a viagem selou seu primeiro acordo de venda de gás turcomeno para um país europeu[8]. Não foram fornecidas informações de quantos metros cúbicos de gás natural os que os turcomenos venderão anualmente para os húngaros.
As conversas parecem ter ganhado um novo contorno. No último dia 1º de março, às margens do Antalya Diplomacy Forum, Gurbanguly Berdimuhammedow, Presidente do Conselho Popular do Turcomenistão, e Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia, se encontraram para discutir uma série de assuntos e assinar acordos bilaterais. Neste encontro, também foram assinados dois acordos preliminares para a venda de gás natural turcomeno aos turcos no esquema de swap comercial[9].
Como o Turcomenistão e o Azerbaijão ainda não concluíram o seu acordo de limites marítimos no Mar Cáspio[10], o que certamente atrasa a conclusão do Gasoduto Trans-Caspiano, é mais provável que o gás turcomeno chegue à Turquia e à Europa por meio do Irã, através do esquema de swap, como é feito no comércio com os azeris[11].
Portanto, o Turcomenistão surge como uma possível solução para o problema energético europeu? A longo prazo, o gás turcomeno poderá ser um dos substitutos do gás russo na Europa. Contudo, o projeto europeu para diversificar a importação de gás é complexo e enfrenta alguns desafios, como a integração regional entre o Cáucaso e a Ásia Central.
Diante deste cenário, não devemos estranhar a proximidade entre os turcomenos e o bloco europeu nos próximos meses e anos. Ambas as partes enxergam vantagens nessa cooperação e comércio. Por isso, devem se esforçar para superar os obstáculos e materializar seus objetivos específicos: para os europeus, tornarem-se menos dependentes da Rússia; para os turcomenos, explorarem novos mercados com sua principal riqueza nacional.